Algures em África.
Uma pequena aldeia em nenhures. A savana com o seu cheiro típico. Leões apreciando o seu repasto, hienas cegas de fome rondavam. Longe, a alguns quilómetros um grupo de pretos de rosto pintado e tronco nu, de lanças preparadas, caminhavam agachados por entre a vegetação. Preparavam-se para caçar um javali. Os dentes afiados agitavam a confiança do grupo. Prudentemente formaram um círculo em redor do animal e aguardaram atenciosamente o sinal do chefe. Com um aceno deu a indicação desejada e em simultâneo os dez homens ergueram-se, gritaram e gesticularam. O mais novo, atrás do animal, saltou sobre ele. Tremia de medo, porém o medo transformou-se em força e dominou-o. Um corte na garganta. Agora sim, era adulto, e tinha o mesmo estatuto que os restantes. Quando chegou à aldeia estava já preparado um festejo. O batuque e as danças das mulheres.
Amazónia.
Era o dia. Acordou ou pelo menos saiu da cama de palha, já que não tinha conseguido pregar olho. Sozinho e destemido, peito feito e grande ambição. Estava na cabana mais imponente. O seu pai e irmãos mais velhos recolheram numa tarde folhas de palmeira e dentro colocaram formigas. Depois do cachimbo pôs as mãos naquelas luvas improvisadas e sentiu as pequenas assassinas a palpar território. Foram subindo e picando. Uma dor agoniante que lhe entorpecia os membros e lhe secava a boca. Cinco minutos para superar a fasquia. Segurou-se ao olhar da mãe, chorosamente orgulhosa, estava já longe dali, numa outra esfera, voando sobre as nuvens brancas a caminho do sol que o queimava. Antes de cair, foi libertado daquele sofrimento e foi descendo do sol para a terra. Um colar ao pescoço, uma ovação. Não eram mãos, eram duas bolas encarnadas com marcas de picadas.
Algures em África, novamente.
Faltava uma semana. Depois de correr pela floresta com um tronco de carvalho às costas, descalço, faltava apenas uma última provação. Depois de pestanejar duas vezes a semana chegou e com ela o salto. Uma torre construída à base de ramos verdes e fortes. À medida que a subia, o vento empurrava-o para baixo e cortava-lhe a respiração. Estava no topo, cinquenta metros depois. Ataram-lhe os pés com duas lianas e tinha de saltar, uma queda livre brutal. A meia dúzia de pêlos que tinha no bigode denunciava a sua pequenez. Chorou, não era capaz de saltar de cabeça para a morte. Reconfortado pelos mais velhos, limpou as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto, fechou os olhos, inclinou-se para a frente e caiu. Julgava-se morto mesmo antes de saltar. As lianas não o deixaram atingir o solo, por vinte centímetros. Assim que o libertaram chorou de novo, desta vez de alegria. Correu para junto da família em êxtase. Eram tantos que se tornou difícil encontrar um bocadinho para o conseguir beijar e abraçar.
Aos dezoito anos, conduzimos, votamos, erguemos a cabeça e sentimo-nos importante porque somos considerados adultos. Mas será que somos homens?
quarta-feira, 2 de março de 2011
Subscrever:
Comentários (Atom)