Numa pequena vila situada no sul de Itália, um quarentão, de cabelo grisalho e estatura respeitável, caminhava nas ruelas estreitas. Virou à direita, depois à esquerda, em frente e novamente à direita. Empurrou uma porta de vidro antiga e entrou. Estantes imponentes, repletas de artefactos centenários e uma mulher morena sentada atrás de uma secretária de cerejeira.
O lápis de carvão dançava nos seus apontamentos, um tango, talvez uma valsa. Era o único cliente e decidiu percorrer os corredores obscuros. De uma a uma, observou cada relíquia muito embora não se sentisse atraído por nenhuma delas. Contudo, e após uma incessante busca do nada, a ponta dos dedos tocou um cálice dourado, preenchido por umas quantas inscrições árabes que formavam um círculo na base. Com a manga da camisa negra retirou o pó, e por uma quantia simbólica levou-o para casa.
Viajou de táxi até ao prédio rústico onde passava a maioria dos seus dias. Subiu dois andares a correr e sentou-se no sofá.
Intrigado com o objecto perdeu algumas horas na tentativa de encontrar qualquer tipo de informação, um pormenor, um detalhe que talvez fosse insignificante. Nada. Deitou-se e a frustração queimava-lhe os olhos sempre que tentava adormecer.
No dia seguinte, de manhã cedo, telefonou a um velho antropólogo e marcou um encontro. Não queria correr o risco de perder o cálice e optou por levar apenas uma fotografia até ao café onde o homem o esperava, de sobretudo castanho e bigode amarelado, resultado das inúmeras cigarrilhas que fumava diariamente. Perplexo, sussurrou a tradução não se fazendo entender. Disse – "Tens noção do quão valioso isto é?" - Com um gesto respondeu negativamente. O outro recomeçou – "Isto é um cálice que pertence a uma família ancestral árabe, provavelmente a algum sheik, senhor do petróleo e pelo que me parece deve ter herdado este artefacto do tetravô ou algo do género". E sorriu. – "No entanto, vou tentar saber mais".
Uma semana depois, o cálice estava exposto numa prateleira de sua casa. O telefone tocou e segundos depois aceitou a chamada. O velho: – "Nem vais acreditar! Essa pérola que tens em casa, pertence a Al-Shaly e é só o objecto mais valioso que possui. Vale milhões. Aconselho que sejas prudente, já devem estar a caminho dois ou três capangas do Shaly para recuperarem o que lhe pertence".
Desligou a chamada e foi de pronto esconder o cálice. Bateram. Uma sequência de murros secos. Sem obterem resposta, arrombaram a porta e entraram armados com dois punhais. Gritavam e vasculhavam a casa. Dobrado no armário e a suar, o medo invadiu-o. O de mosca avistou-o e quando se preparava para o matar, o quarentão de cabelo grisalho esquivou-se e degolou-o. Faltava um. Cuidadosamente avançou. Ouviu-o na cozinha. Uma cacetada na nuca.
Tremia agora, nervoso e desorientado. Pegou no cálice e fugiu. A cada passo que dava, a cada quarteirão que percorria, a cada golfada que inspirava, sentia-se bem. O que levava, escondido no casaco, não pertencia a ninguém. Era digno de um museu.
Semanas passaram. Encontrou o sítio ideal. Doou o cálice. Queriam pagar-lhe e tornar aquela descoberta pública. Não aceitou o dinheiro nem o reconhecimento.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
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A muito tempo que não lia algo teu, gostei bastante deste texto. beijinho :)
ResponderEliminaralgo diferente do que escreves maioritariamente. as tuas descrições são mesmo muito boas ru :)
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