Numa amena cavaqueira interrompida apenas por sorrisos, estavam dois homens de meia-idade, sentados numa mesa de um café da cidade. À sua frente, duas chávenas de café vazias, com a colher à direita e o pacote de açúcar rasgado num dos cantos à esquerda. O cigarro começou a arder. Falavam da politica nacional, do desemprego e da economia rasca que estava a assolar o país. Apresentaram soluções e teorias que, segundo eles, poderiam ter um impacto positivo na conjuntura actual.
Horas passaram. O maço quase vazio. A empregada de balcão havia já recolhido todas as outras mesas e começava agora a passar a esfregona de cabo vermelho pelo chão sujo. Olhava para eles com ar intrigado e inibida por estar sozinha no estabelecimento com dois clientes não habituais.
Meio a medo, aproximou-se da mesa e delicadamente: -Desculpem, eu sei que não é de bom tom mas tenho de lhes pedir que saiam, por favor. A minha hora de expediente já terminou, tenho de ir para casa.
Olharam-na com ar de superioridade e o cavalheiro de bigode respondeu :- Minha cara, não sabe que é falta de respeito interromper uma conversa? – e em jeito de provocação recomeçou – Vejamos, a quem trabalha atrás de um balcão não lhe é exigido um elevado grau de instrução, portanto se achar melhor, eu posso usar uma linguagem mais comum. O outro soltou uma gargalhada seca e olhou de lado a empregada.
Estava magoada, aproximou-se ameaçadoramente dele e sentiu o hálito a tabaco ir contra a sua face jovem. – Queira desculpar a minha falta de estatuto para argumentar com tão ilustres senhores aqui presentes, mas sabe, trabalhar como empregada de balcão não me retira dignidade alguma. A única coisa que me incomoda hoje são dois homens aparentemente instruídos sem qualquer tipo de educação. Isso sim, é um problema. A educação não depende apenas do quão capacitados cognitivamente somos, mas sim de um conjunto de normas e valores que devemos dominar para não sermos desagradáveis com os outros, sim, porque ninguém é mais que ninguém. Decerto não será do seu interesse, mas eu estou aqui porque não nasci num berço de ouro, não tive “padrinhos” competentes nem fui capaz de arranjar um ou dois “tachinhos” que certamente ser-me-iam úteis. Comecei o meu curso mas não o acabei e porquê? Porque os meus pais faleceram num acidente de viação há dois anos, eu saí ilesa, não sei se feliz ou infelizmente. Quem bateu no nosso carro, foi absolvido por ter uma alta patente no Estado. Essa mesma pessoa está a olhar nos meus olhos e consegue ver e sentir a cólera que me vai no peito. E foi graças a esse cabrão educado que não consegui acabar a minha licenciatura. Em suma, peço-lhe que saiam.
O homem tremia perigosamente, matara os pais da miúda e ela sabia-o. Saiu à pressa. Antes de encostar a porta, olhou para ela e pediu desculpa, de dentes cerrados com o orgulho ferido e absolutamente dizimado por uma reles empregada de bar que lhe tinha ensinado o que é sentir culpa e arrependimento.
Depois de saírem, uma lágrima escorreu pelo rosto dela, morrendo nos seus lábios.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
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